Diário Pico Zen - Dia 1
25/04/2025

O PicoZen chegou, outra vez. Como um reencontro com uma parte de mim que adormece durante o ano e desperta assim que pousamos os pés nesta ilha que nos recebeu de braços abertos, quando decidimos trocar a Terceira por novos horizontes. Desde então, este festival tornou-se o nosso refúgio anual, o nosso momento de pausa consciente, o nosso lugar de escuta e de encontro.
Sou a Daniela Silveira, 39 anos, gestora cultural, mãe da Maria Beatriz, que já conta cinco outonos. É com ela que partilho este ritual — parar, respirar, observar. Olhar para dentro, e para o que nos rodeia. Aqui, conseguimos apenas ser. E isso, por si só, já é tanto.
Mesmo depois de termos regressado à nossa ilha natal, a ligação ao PicoZen manteve-se firme. A verdade é que não consigo imaginar esta época do ano sem este festival. Faz parte de nós. E, todos os anos, voltamos, como quem volta a casa. Com a alma a pedir silêncio, simplicidade e presença.
Chegámos por volta das 11 da manhã, vindos do aeroporto do Pico. Desta vez, a montanha decidiu esconder-se — majestosa e tímida, como só ela sabe ser. Mas o que nos esperava era mais do que suficiente: o Paulo, novo membro da equipa Zen, já nos aguardava com um sorriso tranquilo. É do continente, a esposa é russa. Mais dois corações que se deixaram enfeitiçar pela beleza crua destas ilhas. Reconheço-lhes a busca — todos nós viemos à procura do mesmo: paz, tempo, ar puro.
Fizemos o check-in numa casinha pitoresca, de onde se vê o Cais de São Roque a respirar devagarinho. Depois, seguimos para o restaurante do festival, o tão aguardado restaurante da Furna. Aberto, neste conceito, apenas durante os dias do PicoZen, serve refeições vegan e macrobióticas que são, para mim, um verdadeiro deleite. Esta é uma das minhas partes favoritas do festival. Sonho com o dia em que consiga adotar uma alimentação vegetariana de forma permanente. Por agora, deixo que estes quatro dias sirvam de ensaio — e de inspiração.
Depois do almoço, fomos até ao parque de campismo da Furna, onde tudo acontece. O coração do festival. Crianças, facilitadores, artistas, produção, famílias — todos se cruzam por aqui. O espaço permanece intacto, puro. A energia é familiar e reconfortante. A respiração abranda, a mente desacelera. A natureza impõe o seu ritmo, e nós deixamo-nos ir.
Deitada sobre uma mesa de piquenique, sob a sombra suave de uma árvore que deixa passar a luz em pequenas frestas douradas, leio. Leio e deixo-me estar. A Maria Beatriz corre por entre a natureza, em liberdade plena, como deve ser. Quando chega a hora da primeira aula de yoga do dia, já estou meio a flutuar. "Yogaqui, yogacolá", com a Célia Oliveira — natural de Coimbra, mais uma alma que veio até ao Pico por via deste festival. A cada movimento, sinto o corpo alinhar-se com a mente. Sinto-me mais presente, mais inteira.
Ao fim da tarde, reencontro um dos meus lugares favoritos: o restaurante. Desta vez, para o jantar. Os pratos são coloridos, aromáticos, vivos. Há amor em cada colher. E é com esse conforto no corpo que seguimos para a tenda principal — uma cúpula translúcida, mágica, que de dia se funde com a paisagem e à noite se transforma com as luzes.
É tempo do primeiro momento musical do festival: o cine-concerto "Epopeia Gândrica". Uma criação intensa e hipnótica, com cerca de 15 artistas em palco. Não há palavras, mas há uma narrativa feita de som, imagem e sensação. Uma viagem intuitiva e sensorial, do cosmos ao quotidiano, da ameaça ecológica à celebração da diversidade cultural. Inspirada em grandes referências como Vertov, Ruttmann, Reggio, Kossakovsky e Carlos de Oliveira. Uma ode à contemplação. Saio de lá com o coração quente e os pensamentos a ecoar suavemente, como sinos ao longe.
E assim termina o primeiro dia. O corpo cansado, mas a alma leve. Amanhã celebra-se o 25 de Abril — o meu segundo Abril com o PicoZen. Um dia histórico, cheio de simbolismo. Um dia para recordar que a liberdade também é isto: poder parar. Escolher o silêncio. E viver com intenção.
Amanhã espera-nos um novo capítulo. Hoje, só quero dormir com gratidão no peito.
Daniela Silveira
Gestora Cultural